Garimpado
da literatura de Lourenço Mutarelli, "Quando eu era vivo", thriller
de horror psicológico de Marco Dutra, vai abrir a 17ª Mostra de Tiradentes
nesta sexta-feira. O evento mineiro, que inaugura o circuito anual dos
festivais de cinema no Brasil, .tornou-se conhecido como um canteiro de
experimentação narrativa. Justifica-se daí a presença de um exercício
audiovisual com a grife de Dutra, realizador de "Trabalhar cansa"
(2011) e a de Mutarelli, autor do romance "O cheiro do ralo", levado
ás telas por Heitor Dhalia em 2006. De cara, pode-se apontar um avanço na
tradição do evento - graças à curadoria sempre ousada de Cléber Eduardo -, por
dar espaço, já em sua abertura, para um exercício de cinema de gênero, no caso,
o terror. As trevas aqui são derivadas da prosa de Mutarelli em "A arte de
produzir efeito sem causa". A sessão do longa-metragem, produzido por
Rodrigo Teixeira e sua RT Features (braço brasileiro de "Frances
Ha"), serve de tributo ao ator que protagoniza o projeto: Marat Descartes,
um dos mais talentosos de sua geração. É Marat quem encarna um perdedor
profissional que, de volta á casa paterna, convive com eventos sobrenaturais e
uma mulher misteriosa (Sandy Leah). Nesta entrevista, Dutra explica como foi o
processo de direção do filme.
Como
são as sombras que você encontrou no universo de trevas (e de humanidades) da
obra de Lourenço Mutarelli? De que forma o livro te serviu como bússola para
encontrar personagens?
MARCO
DUTRA - Conheci a fundo a obra do Lourenço entre 2007 e 2008, quando trabalhei
no roteiro da adaptação de um de seus quadrinhos para o cinema, num projeto que
acabou não indo em frente. Foi um mergulho intenso, especialmente no que diz
respeito aos primeiros livros “gráficos”: “Desgraçados”, “Transubstanciação”,
“Eu te amo Lucimar”. “A Caixa de Areia” me marcou profundamente, e é até hoje
um dos meus preferidos. Com os romances não foi diferente. Me parecia que o
Lourenço encontrava mais detalhes e força na sua voz a cada livro publicado. “A
arte de produzir efeito sem causa” tinha acabado de sair, e foi o romance que
mais me tocou. É uma espécie de releitura sombria da parábola do filho pródigo,
e a força da relação doente entre pai e filho retratada ali me perturbou. Todos
temos as nossas questões e dilemas familiares. Carregamos essa bagagem conosco
a vida toda. Eu e Gabriela Amaral Almeida, corroteirista, mergulhamos nesses
sentimentos delicados e contraditórios para encontrar as vias da adaptação.
De que
maneira "Quando eu era vivo" se articula com o universo do horror e,
de que maneira esse universo sombrio de gênero se articula com o cinema
brasileiro atual?
O
fantástico, no caso de “Quando eu era vivo”, nasce da percepção do protagonista
- o filho - de que é preciso encontrar um caminho para dentro da alma do pai. O
personagem - e, se tudo der certo, o espectador também - acaba se dando conta
de que este caminho não está na realidade palpável. E nem pode estar, afinal
estamos falando de memória, luto, fantasmas, mistérios não resolvidos deixados
para trás. O horror que existe vem da subjetividade do filho, e encontra,
portanto, suas razões dentro da narrativa. Não é um truque formal. O uso dos
gêneros é muito saudável, porque diversifica e intensifica a produção. Nos meus
anos de faculdade eu sentia certo receio e preconceito com esse tipo de
abordagem, como se fosse algo mais infantil ou “estrangeiro”. Felizmente, essas
noções parecem estar saindo de circulação. Temos um enorme arsenal de
ferramentas para narrar, e nenhuma delas é patenteada por americanos, japoneses
e europeus. Sinto que as novas gerações estão dispostas a mergulhar de cabeça
no fantástico, no horror, no musical, na comédia, no melodrama. Temos apenas
que cuidar para que nada disso vire apenas forma, e sim que tenha relação com o
assunto, com o discurso.
O que
significa ter Marat Descartes, o muso de Tiradentes 2014 nas mãos, como ator?
Como se dá a parceria de vocês?
Trabalhei
com Marat em “Um Ramo” e em “Trabalhar Cansa”. É uma das minhas parcerias mais
antigas, e deve continuar em próximos trabalhos. É um excelente ator, é claro,
mas acima de tudo capaz de se despir por completo em nome das especificidades e
necessidades de cada novo personagem.
Sua
cara metade cinéfila é a cineasta Juliana Rojas, codiretora de "Trabalhar
cansa". Juliana fica aonde nessa etapa de um filme solo? Que planos vocês
têm juntos agora?
Juliana
é montadora de “Quando eu era vivo”, assim como eu compus a trilha do novo
filme dela, “Sinfonia da Necrópole”. Estamos próximos e juntos em praticamente
todos os trabalhos, ainda que não compartilhemos a direção. Nosso próximo filme
em parceria é “As Boas Maneiras”, uma fábula sobrenatural paulistana. Esperamos
filmar ainda em 2014.
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