quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

'O homem das multidões' a caminho do sucesso, em Tiradentes e Berlim


Corre hoje pelos bastidores do cinema a notícia de que o Brasil vai disputar o Urso de Ouro com “Praia do Futuro”, do cearense Karim Aïnouz, mas nem só do diretor cearense viverá a presença de medalhões nacionais da direção no Festival de Berlim (6 a 16 de fevereiro). Foi escalado para a seção Panorama do evento alemão o drama brasileiro “O homem das multidões”, dobradinha entre o cineasta pernambucano Marcelo Gomes e o realizador e videoartista mineiríssimo Cao Guimarães. Os dois foram premiados com o troféu Redentor de melhor diretor no Festival do Rio 2013 pelo longa-metragem, que vai desfilar também pela Mostra de Cinema de Tiradentes (24 de janeiro a 1º de fevereiro).



Em sua primeira exibição pública aqui no país, no Odeon, o cinema brasileiro aprendeu que misturar coentro com cachaça – ou seja, combinar o melhor do audiovisual de Pernambuco com o blues etílico das artes visuais de Minas Gerais  – pode gerar uma experiência de linguagem avessa a rotulações. Inspirada livremente em um conto homônimo de Edgar Allan Poe, a produção rodada a quatro mãos pelos realizadores de “Cinema, aspirinas e urubus” e “Andarilho” dispensou as dimensões retangulares habituais da telona das salas de projeção do Brasil e optou por uma janela quadrada, definida por Gomes como uma dimensão 3x3, numa “mistura das estéticas do Instagram e de uma polaroide”.

- É uma combinação da solidão da era analógica com a solidão digital, dos que estão integrados online – definiu Gomes à época. – Este é um filme de silêncios emocionais.

“O homem das multidões” dá de presente às suas plateias um ator do qual o cinema nacional pouco conhecia: Paulo André, mineiro de Itabirito, integrante do Grupo Galpão de teatro. Embora tenha feito longas como “Fronteira” (2008) e “Moscou” (2009), Paulo André despontou com o efeito-surpresa de um desconhecido no papel de Juvenal, um condutor de trem em Belo Horizonte cuja vida é velada pela invisibilidade e pelo anonimato.

Da casa para o trabalho, do trabalho para uma casa povoada por uma geladeira onde só há garrafas d´água, Juvenal vive sob a proteção do isolamento, sem amores, sem amigos ou bichos. Mas a presença cada vez mais constante de sua supervisora, Margô (Sílvia Lourenço, de “Contra todos”), vai abrindo sulcos em seu escudo afetivo. A princípio, tudo o que ela quer dele é um padrinho para seu casamento com um homem a quem conheceu via web. Mas, numa mecânica que lembra, de longe, o estudo etnopoético de mundo do cinema do português Pedro Costa (“Juventude em marcha”), a relação de boas maneiras e almoços silenciosos entre a chefe de setor e o funcionário mais competente da linha férrea de BH evolui para a esfera inaudita do querer.



Desde o Festival do Rio, em outubro, os comentários elogiosos ao filme só fazem crescer e muitos se concentram sobre a figura do diretor de fotografia Ivo Lopes Araújo, responsável pela lapidação visual de “O homem das multidões. Este, diferentemente dos demais longas de Gomes, não deixa a emoção jorrar sem amarras.

- Aqui, o sentimentos são represados pela linguagem muda dos gestos contidos – o que pode causar estranheza aos fãs do diretor, nessa parceria com Cao.
Berlim e Tiradentes só tendem a lucrar com o longa.

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