Publiquei este texto no meu Face no Natal, mas seria bom voltar a ele.
Lançado no Brasil na última sexta-feira, “Ninfomaníaca” (“Nymphomaniac”) chega, via
Escandinávia, confirmando a excelência do dinamarquês Lars von Trier como
alguém capaz de fazer do ofício da direção um ato simbólico de perpétua
transgressão. É uma tentação falar da estreante Stacy Martin, delícia que
estrela 75% do filme como a versão jovem de Joe, personagem de Charlotte
Gainsbourg.
Mais tentação ainda seria arriscar que se trata, em termos de
arquitetura narrativa, do trabalho mais maduro de Von Trier desde “Dogville”
(2003), lembrando que ele goza de uma Palma de Ouro no currículo por “Dançando
no escuro” (2000). E igualmente tentador é ficar descrevendo como seu roteiro
opta por diálogos desdramatizados, que investem em um engenho cartesiano de
causalidade (lembra até a radiofonia do gaúcho “Ilha das Flores”) ao descrever
as relações afetivas, sexuais e os órgãos reprodutores.
Mas fiquei besta com um
zumzumzum de má vontade que ouvi contra o longa, após a sessão de imprensa
dele no dia 23 de dezembro. O colegiado de críticas publicado neste fim de semana me assombrou too.
Andaram me explicando ontem que não se deve escrever a
palavra “boc...ta” (pussy) no
Facebook para evitar censuras capazes de deletar ideias. Mas eu fiquei um tanto
quanto cabreiro ao saber que um filme que faz uma ode à “boc...ta” (pussy) - como metáfora para o que existe
de oco na condição existencial do Ocidente e para o Poder do corpo nestes
tempos avessos à metafísica – possa ter despertado em parte da (dita) “inteligência”
carioca um sentimento de tédio, de insatisfação, de monotonia.
Se houvesse
espaço para o bom humor neste mundo, eu diria que lá em Bonsucesso (minha terra
natal), onde gosta-se (MUITO) de “boc...ta” (pussy), o filme agradou (e agradaria mais se houvesse uma sala de
cinema para exibi-lo). Mas, como a ironia é malquista no seio da discussão
cinéfila (USPianos me ensinaram isso), vamos aos fatos.
Em agosto, ainda no
GLOBO, fui procurado pela produtora do longa-metragem, a Zentropa, com a
proposta de disponibilizar no site do jornal um clipe com imagens inéditas do filme, de um
dos mais aguardados do ano, que prometia (como é costume de Von Trier) causar
polêmica com cenas de sexo tórridas, incluindo astros como Shia LaBeouf e
Christian Slater.
O vídeo estará no site do filme. E seria o terceiro de uma série
de oito, cada um referente a um segmento (ou capítulo, como definiu Von Trier)
da produção de € 9 milhões, protagonizada por Charlotte Gainsbourg, que será
lançada em duas partes, de duas horas cada. A primeira estreia na Dinamarca neste
25 de dezembro, dia de Natal, e só chega ao Brasil no dia 10 de janeiro, via
Califórnia Filmes. Ambos os longas passaram pelo crivo da censura europeia.
Estima-se que terão classificação para 18 anos. Mas o diretor prepara uma
versão paralela, que pode ou não ir a circuito, ainda mais picante.
— Optamos por não
lançá-lo em festivais. Como o filme fala da sexualidade de uma mulher, tema com
condições de atrair as plateias, por que não usar a estratégia convencional de
estrear direto em circuito? Com Lars, as regras podem ter alternativas — disse
Louise Vesth, produtora de Von Trier desde 2005.
Amparado na estonteante
fotografia do chileno quarentão Manuel Alberto Claro, “Nymphomaniac” é o
primeiro longa do diretor desde a polêmica provocada por ele no Festival de
Cannes de 2011. Von Trier foi considerado persona non grata pela direção do evento após ter dito
que não aprovava o que Hitler fez na Segunda Guerra, mas entendia suas
motivações, durante coletiva de imprensa de seu longa anterior, “Melancolia”.
A
declaração gerou associações com o nazismo e fez com que uma série de
distribuidores em diferentes países se recusassem a lançar o filme. A produtora
nega problemas, e não tirou do longa uma seqüência em que Joe faz troça com os
conceitos de antissemitismo e sionismo.
— O episódio de Cannes
não prejudicou “Nimfomaníaca” em nada. O prestígio de Lars manteve o interesse
dos investidores e de atores famosos — afirmou Louise.
A fim de atiçar a
curiosidade dos cinéfilos pelo projeto, no qual Charlotte interpreta Joe,
mulher obcecada por sexo, Von Trier criou uma estratégia em que divulga
mensalmente, em diferentes jornais do mundo, um trecho de cada um dos
capítulos. Leia, ao final da reportagem, a reprodução de um pequeno fragmento
do terceiro capítulo, “Mrs. H”, representado por uma foto da atriz Uma Thurman
em um grito de pânico.
Ela vive a Sra. H,
uma das personagens que cruzam o caminho de Joe na narrativa que, segundo
Louise, é construída a partir de uma série de digressões da protagonista (e do
próprio cineasta), o que dá um peso similar a diferentes personagens. A atuação de Uma beira o sublime.
Segundo Louise, a
estratégia foi uma forma de ampliar o público de Von Trier, que viu
“Melancolia” arrecadar US$ 15,9 milhões nas bilheterias de todo o planeta:
— Em geral, Lars faz
segredo quase absoluto das imagens de seus filmes. Mas tentamos algo novo,
usando as ferramentas da internet para chegar a um novo público. Por isso, era
importante tentar tornar “Ninfomaníaca” mais conhecido.
CAPÍTULO 3: MRS. H
Manter o controle sobre uma larga rede de
amantes nem sempre é fácil, e Joe é logo confrontada com as consequências
desagradáveis de ser uma ninfomaníaca. Afinal de contas, você não pode fazer um
omelete sem quebrar alguns ovos.
E, por favor, gostando ou não de Von Trier, tire SUAS PRÓPRIAS conclusões só
DEPOIS de VER o filme, desde já um dos mais inquietantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário